SOLIDÃO E SOLITUDE
Solidão e solitude são palavras semelhantes e de mesma raiz etimológica, porém, antônimas. A solidão é quase sempre tida como uma experiência desagradável de isolamento, cisão social, desorientação, etc. Sociedade, ciência e cultura, em parte, acentuam os malefícios da solidão e não apenas sobre os impasses da vivência social, mas, ainda, na patologização da solidão, transformando-a num mal a ser combatido. A solitude é antônima a desamparo, abandono e sofrimento e sinônima de retiro, introspecção, autonomia, entre outros. A ideia de que estar só e sentir-se só, sejam condições distintas, confrontam as concepções de que a ausência física do outro, ou ainda, o rompimento social, sejam sinônimos incontestáveis de solidão e sofrimento. De forma ambivalente, sociedade, ciência e cultura ainda sustentam dogmas contrários a este entendimento, permanecendo assim, a solitude alheia a essa discussão.
A solidão e a solitude são fenômenos inerentes à humanidade. É possível encontrar em toda a sorte de registros históricos alguma referência sobre a solidão e a solitude. Então como diferenciar solidão e solitude? Quero deixar aqui algumas referências que nos ajudam a começar a distinguir melhor entre uma e outra.
A vivência aguda da solidão implica na dolorosa sensação de um tempo que não passa, que se arrasta como minutos se transformando em séculos de exaustão e sofrimento. É o relógio que não anda e destrói todos os sentimentos de dignidade humana. A solidão da madrugada a torna infinita e com o agravante de ser um período em que o outro, na quase totalidade das vezes, não está disponível para um acolhimento de qualquer natureza. (ANGERAMI, 2017, p.54).
Aqui Augusto Angerami nos deixa uma breve descrição dos malefícios da solidão. E logo abaixo deixo para você leitor uma descrição do escritor português José Saramago sobre o que é Solidão.
A solidão é não sermos capazes de fazer compania a alguém ou a alguma coisa que está dentro de nós, a solidão não é uma árvore no meio duma planície onde só ela esteja, é a distância entre a seiva profunda e a casca, entre a folha e a raiz. (SARAMAGO, 2011, p.143).
José Saramago diz que solidão não é estar só, que solidão é quando não nos encontramos em nós mesmos. Ainda mais sobre solidão e solitude o Sociólogo polonês Zygmunt Bauman nos deixa uma breve noção da transição de uma condição para outra, ou seja, da transição entre as condições de solidão e solitude; além de um grande conselho para o enfrentamento da solidão, isso mesmo, enfrentamento e não fuga.
Fugindo da solidão, você deixa escapar a chance da solitude: dessa sublime condição na qual a pessoa pode “juntar pensamentos”, ponderar, refletir sobre eles, criar e, assim, dar sentido e substância à comunicação. Mas quem nunca saboreou o gosto da solitude talvez nunca venha saber o que deixou escapar, jogou fora e perdeu. (BAUMAN, 2011, p.17).
Sobre enfrentamento da solidão e a necessidade de passarmos pelas transformações que a solidão nos oferece, esta mesma solidão que pode nos levar aos estados de solitude, sendo que é no estado de solitude que deixamos para trás o sofrimento e iniciamos uma longa jornada pelo autoconhecimento e renovação de nós mesmos. Reclamo, então, as caríssimas palavras do psicanalista, professor e escritor Christian Dunker que nos dá uma valiosíssima explicação de tal transição.
Sem a experiência da própria solidão a vida nos parecerá postiça, artificial ou vulgar. A verdadeira e positiva viagem solitária pode ser feita a dois, em grupo e até mesmo em meio à dissolução do indivíduo na massa, mas pior mesmo é quando tentamos evitá-la. (DUNKER, 2017, p.19).
E a tal solitude, quando é que ela aparece? Solitude não é uma palavra muito conhecida, ouve-se comumente “solidão benéfica” como uma expressão putativa para a palavra solitude, termo este utilizado por Dunker como substitutivo para o termo solitude. Então, ainda auxiliando-me em Christian Dunker, deixo para você leitor uma excelente explicação sobre a solitude, a “solidão benéfica” como ouvimos popularmente.
A solidão benéfica nunca se estrutura em torno do Eu não preciso do outro. É justamente quando me dou conta que preciso do outro, mas não absolutamente, que a solidão se torna um espaço criativo. (DUNKER, 2017, p.31).
Solidão e solitude embora tão distintas vivem juntas, se entrelaçam e, apenas uma fenda muito tênue se põe entre elas. A questão é saber diferenciá-las e localizar-se entre uma e outra.
Adão Zambelli de Carvalho
Psicólogo.
CRP – 06/160959